1968 - e agora, quarenta anos depois, "o que será que será"?

Há quarenta anos transformações culturais em escala global redefiniram os padrões sociais: cinema, música, sexo, política, ciência, tudo enfim foi tocado por um sentimento de mudança que até hoje ergue bandeiras. Muitas das reivindicações sociais atualmente em pauta são heranças de 1968, onde o desejo de liberdade foi capaz de superar as mais duras formas de repressão. Essa efervescência cultural só foi possível, no entanto, devido a tal contexto histórico: repressão sexual, governos totalitários, censura e unilateralidade cultural dominavam o cenário social até então. Fronteiras bem definidas entre ideais antagônicos permitiram a ambos os lados o reconhecimento do conflito e a identificação da atitude necessária.

Hoje a contra cultura é vendida nas prateleiras dos shopping centers e nas bancas de revistas das esquinas, as músicas e filmes de protesto e a arte de vanguarda - se é que de fato existem, diriam Adorno e Horkheimer - são veiculadas sem censura, as "causas minoritárias" já gozam de considerável espaço no "parlatório da democracia", em fim, esse clima de harmonia e plenitude dos direitos civis difere completamente da realidade daqueles anos de chumbo. Da mesma forma, com certeza os escritos de Kerouac, o sex appeal de Marilyn Monroe ou Brigitte Bardot, a figura de "Che" e as canções de Chico Buarque não surtem mais o mesmo efeito que tiveram em suas épocas, e ainda para ilustrar o caráter paradoxal desses exemplos significativos a citação de Belchior "os filhos de Bob Dylan amantes da Coca-cola". Seria então correto adotar hoje a mesma conduta e seguir os mesmos preceitos de tão distante realidade? Muitas das causas criadas naquele contexto permanecem ainda como sonhos, mas outras tantas já são realidades, a atual situação política, em se tratando de valores democráticos, talvez tenha sido o ideal de ontem, a diversidade cultural colore as ruas, a liberdade de expressão nunca foi tanta assim como o acesso as tecnologias da comunicação. A expressão cultural daquele ano é um marco e deve sim ser lembrada, mas não se deve recorrer a isso de maneira tão saudosista como costuma ser, afinal, não podemos nos esquecer que só foi possível porque existia a contra partida. As causas conquistadas por essa revolução já estão aí para que novas fronteiras sejam rompidas a partir dos novos parâmetros impostos pela dinâmica do desenfreado "Carro de Jagrená" de Giddens, que é nada mais que a opressão em forma de progresso. Cada nova dificuldade reclama uma atitude diferente. Como disse Caetano Veloso sobre a possibilidade de um novo 1968, no mais novo livro de Zuenir Ventura que trata do tema, "pra ser igual teria que ser completamente diferente". Segundo Marcuse as bases de uma transformação social foram lançadas naquele contexto, em que além da antiga luta pelos direitos trabalhistas, causas mais particularizadas expressam as necessidades da vida moderna como as reivindicações dos direitos das mulheres, dos negros, da conscientização ecológica, dos homossexuais, pelas pesquisas com células tronco etc. Tudo por uma realidade socialmente mais justa. Contudo não se pode ir além sem que se icem as âncoras do passado.

No panorama atual o inimigo é invisível e a coerção dissimulada e, por isso mesmo, mais eficiente. Primeiro é preciso conhecer o problema para depois se resolver a questão, pois é oculta qualquer forma de resistência. Caso contrário, novas e velhas causas serão vistas como eternas utopias, resucitadas por saudosistas sem propósito que na falta de problemas para se combater remoem as feridas de uma realidade que já não existe. Enquanto isso a exploração continua sendo exercida sob os aplausos de opressores e oprimidos. Se é que se pode fazer essa distinção.

 
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