Considerações a respeito do luto e outros sentimentos socializados

Todos os dias parecem correr normalmente (logo, sendo rotineiro, logo, um cotidiano qualquer) durante todo o mês, durante todo o ano. O ser humano parece que não está preparado para receber choque de informações por ver o seu mundo girar sem nenhuma sobreconsciência da própria existência. Dessa forma, quando tais informações passam a compartilhar a vida de um indivíduo em determinado dia, ele modifica todo o seu cotidiano, ainda que talvez já seria de se esperar tal informação. Em minha sociedade, pequena e interiorana, mas que reflete a conduta ocidental do luto, se estou com meu aparelho de som ligado alto no cotidiano, quando o momento é intercalado por uma informação como o luto, tudo se modifica e sou proibido, seja por meus parentes, seja pelo imperativo socialmente determinado ao qual me sinto obrigado a obedecer caso as pessoas com quem convivo, ou mesmo meus vizinhos, não me vejam indiferente quanto à situação. Já tive conhecimentos de casos em que enquanto uma pessoa falecera e estava a ser velada no "clima" de luto, o vizinho simplesmente ligara seu som e tratara as coisas como indiferentes, como parte da rotina, como a continuação do cotidiano qualquer, como "tanto faz, tanto fez", de forma a causar ira em quem se solidarizava com o luto ou quem instalara esse luto em si.

Dessa forma, tento chamar atenção para o fato de, no evento do luto, como nossos momentos diários são modificados de acordo com informações que nos põem em um período de reflexão tanto da morte quanto da nossa existência e das lembranças do falecido para com nós ou lembranças que o marcaram. Da mesma forma que ocorre isto com o luto, ocorre o mesmo em momentos de felicidade, como um casamento, um nascimento. Por sinal, os grandes momentos da vida parecem opor-se. Ou se modifica o cotidiano principalmente nos eventos pela vida e por uma nova vida, ou se modifica pela morte, pelo luto.
No entanto, o luto parece liderar o impacto que possui socialmente. Parece ser mais importante a notícia de um falecimento do que de um nascimento, assim como do que um casamento. É mais dramático, ainda que, insisto em dizer, a doença pré-avisara as grandes possibilidades da morte.
Sendo assim, tenho a experiência atual de estar diante de, algumas horas, participar de um casamento, como público. No entanto, antes do evento, recebo a notícia do falecimento de alguém conhecido pela família em que haverá o casamento, o que estrategicamente está sendo mantido em sigilo para não desanimar os animados pelo evento da construção de uma vida nova. E por ser sigilo e eu ficar sabendo, sou cúmplice desse "crime" do silêncio e, podendo avisar a meus próprios pares, os quais conhecem o ser moribundo que falecera, prefiro manter-me em silêncio, sabendo que posteriormente tais pessoas serão avisadas, seja pelo serviço público do carro de som, seja pelas fofocas de cada dia. Afinal, em cidade pequena nada se esconde. Decidi ser "neutro", não tomar influência no caso de ser o que proclama o período de luto, mas sei que não existem neutralidades, no sentido de que o fato de optar pelo silêncio já é uma tomada de posição. Portanto, prefiro ficar em casa, sabendo do caso e escutando as minhas músicas, com minha própria consciência internalizada pelos imperativos de uma sociedade, escutando o som baixo, até que alguém conte que o cotidiano rotineiro e por vezes entendiante está dando lugar, temporariamente, a um momento que chama atenção para a reflexão e a mudança de alguns aspectos do hábito diário, para que todos fiquem sabendo da complacência para com o luto que se instalara entre aqueles que conheciam quem já não existe em essência entre nós.
 
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