Não sei se algum antropólogo já realizou estudos sobre este negócio chamado “comoção”- talvez, pelo menos indiretamente alguém já tenha realizado. O fato é que essa “coisa” (na velha acepção durkheimiana) chamou a minha atenção recentemente, e então me pus a fazer indagações sobre ela. Tudo começou com a morte de dois conhecidos meus: Cosme e Damião. Eram gêmeos. Jovens. Vivazes. Inteligentes. Em suma boa gente. E então? Comoveu-se? Pois é. Imagino que sim.
O bom e velho Durkheim diria que se trata de um fato social, e que, portanto, incide sobre as pessoas com uma força arrebatadora. Ora, gente que nunca viu Cosme e Damião ficou estarrecida ao saber da colisão da moto destes com um trator e da conseqüência fatal dessa batida. A dor de perder duas criaturas maravilhosas não ficou restrita ao habitat familiar. Pulou divisas. De Delmiro Gouveia a Maceió gente “solidarizou-se” com as pessoas próximas aos irmãos.
O acontecimento chocou. Escrevo sobre isso com tristeza, confesso. Mas o que quero sustentar nesta minúscula reflexão é a “não-mecanicidade das coisas”, nesse caso particular, da comoção. Numa abordagem positivista, o “comover-se” seria apenas uma reação mecânica a um acontecimento preso a uma constelação específica de significados. Como se ao saber da morte de alguém uma pessoa já se sentisse necessariamente triste. Mas não é bem assim. A comoção surge a partir de certa interação da subjetividade com o fenômeno. Nota-se que há em muitos casos o que chamamos de “empatia”: a mãe se coloca no lugar daquela mãe que perdeu os filhos; imagina-se perdendo os seus; aí sobrevém a dor. O jovem se imagina sobre uma moto prestes a colidir com um trator sem sinalização; vê seus sonhos baterem numa máquina intransponível, que os fará desaparecerem em questão de minutos; aí sobrevém a dor.
Não só a empatia determina a existência ou não da comoção. A própria crença que habita no íntimo das pessoas de que a vida “ceifada” em condições trágicas é um horror, contribui também. Portanto, é errôneo afirmar que a reação é mecânica. Tanto é assim que há pessoas que nem ligam para episódios como o de Cosme e Damião: nem empatia nem motivação interna levam-nas a comoverem-se.
Meu objetivo foi mostrar que não basta observar um fato a partir da imediaticidade, generalizando-o. É preciso “sacar” a interação que há entre objetividade e subjetividade, pois seres humanos não são e nem agem como o cão de Pavlov; eles são criaturas complexas, incapazes de darem as mesmas respostas sempre, portanto, incapazes de se comoverem mecanicamente.