Futebol milionário X lixo

Pessoal, tomo a liberdade de colocar aqui uma bela crônica de um futuro (ou já grande) jornalista amigo meu, Josias Mendes. "A pior doença é a indiferença" (Do filme O Amor é Contagioso).

Crônica

Futebol milionário X lixo

Josias Mendes da Silva

josiasjornalismo@hotmail.com

Tarde de domingo. Como sempre, depois de uma semana de trabalhos e estresse, é momento de relaxar um pouco, reuni os amigos e assisti ao bom jogo do Campeonato Brasileiro. Aliás, nem há descanso, pois antes e após os jogos, os debates e as gozações deixam os nervos à flor da pele. Já no andamento da partida a adrenalina sobe, o coração vai a mil e a tarde, que era para ser pacata, torna-se inquieta e angustiante. Mas faz parte do hobby. Tudo é graça.

O papo de hoje, cheio de fanatismo e demasiadamente imparcial, versava sobre as disparidades e a situação econômica dos clubes nacionais. Assim, eu, como agrestino e fiel torcedor da Agremiação Sportiva Arapiraquense (ASA), lamentava a falta apoio da parte dos governantes e dos empresários arapiraquenses para com a diretoria alvinegra. O ASA, única equipe do interior de Alagoas com o direito de disputar a série C do campeonato , está com sua participação ameaçada por não disponibilizar de no mínimo R$ 150 mil mensais, folha salarial pretendida pelos dirigentes. A situação com os clubes da capital também não é diferente: o até então presidente do CSA, Ricardo Coelho, largou o barco, tendo como um dos principais motivos falta de apoio. E o CRB, sério candidato à degola deste ano, vem aos trancos e barrancos na série B.

Em âmbito nacional, eu, torcedor do Flamengo cujo símbolo é o urubu, gabava-me com os atuais negócios do clube. É que a diretoria rubro negra firmou um contrato com a Olympikus, e a multinacional vai disponibilizar cerca de R$ 200 milhões em cinco anos, o que equivale a quase R$ 3,5 milhões por mês, para despesas com materiais esportivos do clube. Esse contrato é o maior da história do futebol latino americano. Isso me bastava para eu ironizar e tirar ondas dos são-paulinos, palmeirenses, corintianos e vascaínos que estavam assistindo ao jogo comigo – São Paulo X Santos - pela telinha.

Ao término do jogo e das discussões, decidi dar um passeiozinho pela orla. Havia chovido dias atrás e o amontoado de lixo na Praia da Avenida era algo entristecedor! Os urubus pairavam no ar e desciam à areia em busca de alimento, pois carniças existiam de fartura. Quanto descaso de nossa população e de nossos governantes pelo meio ambiente. A descontração de momentos antes dava lugar a um incipiente desgosto e a uma vontade de não mais exercer minha cidadania: votar.

Mas o pior estava por vir. Ao longe, avistei uma coisa em uma ferrenha briga com os urubus. Ao aproximar-me, vi que era um menino, todo maltrapilho. Não quis acreditar naquilo. Então falai para mim mesmo que ele estava apenas brincando com os indesejáveis animais e gritei: “sai daí menino! Deixe de brigar com esses nojentos! Não ver que você pode pegar uma doença!” Ele, então, olhou para mim e disse com voz trêmula que estava vendo se tinha “algum dicomer nasquelas coisas”, pois “tava” com fome.

Pasmem os senhores: ele estava vestido em uma velha e encardida camisa do Flamengo. Foi um soco em meu estômago e em minha consciência. Quanto tempo eu havia perdido em minhas provocantes discussões. Lembrei- me das disparidades: R$ 3,5 milhões, R$ 150 mil, e agora lixo. Apenas lixo.

 
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