Mais uma vez há uma avalanche de críticas sobre o sistema de cotas nas universidades. Não só críticas, mas também ações concretas, pois um grupo de “Cento e treze cidadãos anti-racistas contra as leis raciais” levou um abaixo-assinado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a inconstitucionalidade das cotas, alegando que as mesmas geram uma divisão artificial na sociedade brasileira (Ver Revista Época de 05/05/2008, p. 102-103). Esse grupo- formado por intelectuais, empresários, advogados, artistas e sindicalistas- parece ignorar a história de luta do povo negro pelo acesso aos bancos escolares, em que iam de frente aos pressupostos de um grupo privilegiado, defensor de idéias assaz retrógradas, como a de que lugar de negro é na senzala ou no “meio das palhas da cana”, como já ouvi de inteligentes “viúvas de um Brasil semifeudal”.
É óbvio que todos queremos uma educação de qualidade, desde a sua base, possibilitando o acesso ao Ensino Superior do maior número de pessoas possível. Há grupos organizados lutando por isso, e devemos ser solidários aos mesmos. O que é inadmissível é deixar o jovem negro cada vez mais distante das escolas superiores enquanto intelectuais, empresários, advogados e demais pessoas desprovidas de visão mais aguçada sobre as maleitas brasileiras colocam no poder indivíduos anêmicos politicamente, que se preocupam mais com que tipo de gastos vão saturar seus cartões corporativos do que com a resolução de problemas seculares.
De fato não há raças distintas nem aqui no Brasil e nem no extremo norte da Rússia. Pesquisas recentes apontam a proximidade genética entre os diversos indivíduos, esclarecendo que o que nos diferencia de fato é o fator cultural e não o biológico. O conceito de raça está muito ligado à união intrínseca inexistente entre traços fenotípicos e genéticos e traços comportamentais, defendida por pensadores conservadores. Na verdade o comportamento cultural não é uma conseqüência direta do sangue que corre nas veias de sujeitos brancos, pretos ou amarelos; a sua compreensão tem um grau maior de complexidade. Quem quiser compreender mais sobre isso é só folhear sofregadamente Boas e Pedro Archanjo- filho ilustre de Jorge Amado em Tenda dos Milagres, que merece ser lido com a mesma dose de sofreguidão.
A partir dessa ideologia, o “povo” negro foi escorraçado e submetido a uma série de privações. Tratado como um ser de uma “raça inferior”, foi explorado pela própria Igreja, que lhe dizia para submeter-se de bom grado aos indivíduos da “raça superior”. Ora, essa submissão continha no seu bojo ver a educação como direito de sujeitos brancos, filhos de colonos e de gente dos píncaros sociais.
Após a Abolição a problemática continuou: o que fazer? Há relatos sobre negros que preferiam ficar nas dependências do senhor a penar numa liberdade sem planejamento algum. Das senzalas para as favelas. O contingente de ex-escravos não foi absorvido pelo sistema de produção- que apostou mais na mão-de-obra imigrante-, e muito menos pelo sistema educacional.
Paralelamente a isso tudo, como mencionado acima, houve lutas impressionantes por melhores condições de vida. O povo negro não ficou na janela vendo a banda passar, mas desenvolveu ações que mostraram o seu potencial de contestação a uma sociedade etnocêntrica e opressora.
O sistema de cotas é uma conseqüência de lutas constantes pela democratização do saber, afinal não faz sentido que apenas uma parcela ínfima daqueles que são a maioria no Brasil entre na universidade. O negro também tem direito a sonhar, a garantir um futuro melhor para si e para os seus. De fato, repito, não há divisões de raças, há sim uma tentativa de garantir os direitos de um segmento da sociedade que por muitos e muitos anos foi espoliado, justamente por influência da idéia de “raça”. Prefiro o termo em sua acepção mais moderna: “determinação”, o “empenho” para subverter as situações de exploração em cada canto desse país.
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